Por José Mendes Pereira
O cangaceiro Zé de Julião
O escritor e pesquisador do cangaço Alcino Alves Costa, diz em seu trabalho sobre o cangaceiro Zé de Julião que ele estava
nas redondezas de Poço Redondo, no Estado de Sergipe. Uns falavam pelos cantos da boca, que a sua
visita, nada mais era do que deixar os seus inimigos, todos intranquilos, ou
ainda para receber uma boa quantia do Artur, ainda despesas gastas no pleito
que foi realizado em Poço Redondo.
Fonte - Youtube
Outros diziam que não, era apenas uma visita à sua querida e amada terra. Na lei orgânica do município, não existia nada que
proibia um filho de lá, passear pelas ruas da sua terra. Mas as suas aparições seriam que
o ex-bandido estava se tornando muito famoso e perigoso? E por isso, enviaram-no
de volta a Poço Redondo, na companhia de Eron, um afamado e perigoso
pistoleiro, para que este o matasse e todos se livrassem do incômodo chamado Zé
de Julião? Essas e outras eram as perguntas que todos faziam caladamente em
suas mentes.
O cangaceiro Zé de Julião.
As conversas continuavam se
alastrando por todo Poço Redondo, que Zé de Julião, um verdadeiro cangaceiro
dos tempos de Lampião, estava nas terras do município. As fofocas continuavam.
Zé de Julião fora ou não, visto pelos arredores de Poço Redondo? Era verdade ou
não que diziam sobre sua misteriosa presença no município?
No sábado, dia 18 de fevereiro de
1961, Artur e Elieser chegaram a Poço Redondo. Artur chegou à cidade, vindo de sua fazenda no povoado Bonsucesso. Veio
intencionalmente fazer a feira, esta seria feita no domingo, e se hospedou na
casa da filha Parceirinha. Sem que ninguém compreendesse o porquê, no dia 19,
um domingo, Artur, antes de o sol apontar, os moradores das vizinhanças que iam
para a feira, na estrada Poço Redondo-Curralinho, encontraram Artur e o
prefeito Eliezer, e conversavam um assunto que talvez, de muito interessante para ambos. Diz Alcino que essa caminhada, apenas os dois,
quando todos sabiam dos boatos existentes sobre a possível presença de Zé de
Julião no município.
Com o calor forte do sol, que
esquentava o sertão, os dois retornaram. Artur não mandou ninguém, e ele mesmo
foi ao mercado fazer suas compras, inclusive, carne, e lá por bobagem, disse a
todos que iria voltar à fazenda, precisava estar lá, ou fazendo com que todos
escutassem as suas palavras, talvez na tentativa de forjar algo. Como você leitor, vem acompanhando bem a história, Artur chegou de Bonsucesso montado em
seu famoso cavalo, um animal que causava inveja aos fazendeiros, sendo este
considerado o melhor da região.
Só como ilustração
E em companhia do Artur, esta não podia faltar,
dona Laura, na garupa de seu esquipador. O mais incrível e suspeito, foi que
Artur deixou o seu cavalo e retornou para a fazenda montado em um cansado e
velho burro, tendo ele conhecimento da presença de Zé de Julião na área. Como
também a população se admirou de Artur ter deixado a sua esposa em Poço
Redondo, tendo ele retornado sozinho para sua morada.
Nesse dia, era um domingo e de
muito verão. Um sol bruto já esquentava fortemente os campos. Artur viaja
rompendo as pesadas areias quentes do caminho de sua fazenda denominada
Bastiana. A estrada era estreita, tinha aparência de vereda, com
ligeiras curvas, e sem pressa, o burro caminhava em direção à fazenda. Em uma
das várias curvas, sem menos esperar, um homem sai na estrada e ligeiramente não
deixou mais o burro continuar seus passos. Apavorado com o que estava vendo em sua frente, Artur conheceu a figura
do Zé de Julião. Desesperado, deu um grito assustador:
- Valei-me, Nossa Senhora, mãe de
Jesus!
Zé de Julião tentou agarrar as
rédeas do burro. O animal espantando-se, não esperou por mais nada, e fez carreira
na estreita estrada. Artur como sempre
fora um bom cavaleiro, sentindo o perigo, deitou-se sobre a sela e tentou fugir
dali o rápido possível. Os tiros sugiram e o burro que não era besta, correu
mais ainda. Um tiro maior do que os primeiros foram disparados. Em seguida, um
silêncio foi feito e foi aí que Artur percebeu que estava totalmente vivo e sã.
Em vez de seguir a viagem para a Fazenda, voltou para Poço Redondo.
Ao chegar lá, com a roupa toda
suja de sangue, comunicou aos policiais. O comandante reuniu os soldados, formou
uma volante e para o local se dirigiram levando mais um rastejador. Em uma das
curvas da vereda, encontraram três tocaias. Um rastejador seguiu as pegadas ali
existentes, e ao passar por cima de umas pedras, avistou um corpo caído do outro
lado. Os militares invadiram o local e reconheceram de imediato, que aquele
corpo ali estendido, era na verdade o do famoso Zé de Julião. Havia morrido de
papo para cima e os óculos permaneciam nos olhos.
Diz Alcino que, no sábado, por
volta de nove horas da noite, Zé de Julião e seus dois companheiros, haviam
tomado banho no tanque da fazenda Queimada Grande. Como era uma noite
enluarada, várias pessoas da fazenda observavam, mesmo com a grande distância,
deu para elas verem que eram cangaceiros que àquelas horas se banhavam no açude
da fazenda.
Um senhor chamado José Vitor, que
era o vaqueiro desta fazenda chamada Barra da Onça, disse que justamente por
àquelas horas, Zé de Julião o chamou pedindo-lhe fósforo, dizendo que ia para a
Fazenda Bastiana do senhor Artur.
Para desconfiança de muitos, que
na verdade não poderia ter sido outro plano, e sim, plano dos senhores: Artur e
Zé Vitor que possivelmente tramaram a morte de Zé de Julião. Depois da morte do afamado cangaceiro, e já
tendo acontecido os depoimentos, Zé Vitor que era um aliado de Zé de Julião, e
que antes era um pequeno vaqueiro, deixou a vaqueirice e comprou uma pequena
fazenda bem próxima da cidade. O que você acha leitor? Foram eles ou não, os
culpados da morte de Zé de Julião?
Ainda diz Alcino Alves, em seu texto,
que uma versão de uma pessoa (Alcino não revela o nome da pessoa em seu texto),
que Zé de Julião, estava acoitado em um lugar bem perto da Queimada Grande,
chamado Umbuzeiro de Fora. No sábado à
noite, ele havia recebido a visita do amigo Zé de Pastora, este comprara
algumas encomendas para Zé de Julião, em Pão de Açúcar: Foram as compras: Um
par de alpercatas, fumo e um vidro de pílula Rossi. Lá eles conversaram até
altas horas da noite com o amigo Zé de Pastora. Quando este foi embora, não
viajou quinhentos metros, escutou uns tiros no coito e um medonho grito. Correu
não passou nem em sua fazenda, foi direto para a beira do rio, fugindo,
amedrontado, para a proteção de Elísio Maia, em Pão de açúcar.
Zé de Julião foi encontrado morto
e no local, apesar do ferimento, em cima do peito e rompendo as costas, no
chão, não existia uma gota de sangue, apenas uma leve umidade, mesmo sendo um
terreno de areia, que as gotas de sangue não sumiriam. Estas observações que
foram feitas, dúvidas e mais dúvidas ficaram sobre a sua morte.
Artur chegou a Poço Redondo, com
a roupa toda ensopada de sangue, e aparentemente seria necessária de uma
cirurgia urgente. Mas feita as verificações, Artur não tinha nada que levasse a
uma enfermaria, mas apenas um de seus dedos, pelo lado interno, tinha sofrido
um pequeno ferimento na unha.
Mas ali, as pessoas presentes,
notaram logo que se tratava de uma verdadeira trama, já que Artur não teve
nenhum ferimento que fosse necessário uma cirurgia. Diziam os especialistas que, uma bala nunca
poderia atingir aquele local sem ferir outras partes do corpo, porque as mãos e
os dedos de Artur estavam amparados por todo o seu corpo. E ainda, uma vez que
ele estava montado no burro, deitado na sela, como ele mesmo havia declarado as
autoridades, e ainda as mãos segurando as rédeas do animal. Estas eram as
perguntas que circulavam no meio de Poço Redondo: Como seria possível uma bala
procurar desviar-se do resto do corpo e ir alcançar um dos dedos que estava
protegido pelo seu próprio corpo?
Ao anoitecer, depois de uma
grande caminhada e dificultada pelo enorme peso do cangaceiro, os soldados
chegaram a Poço Redondo com o morto enrolado em uma velha rede. O pranto e a
dor dos de Poço Redondo foi sem igual, apesar de facínora, mesmo os seus adversários
não lhe desejavam uma cruel morte. O Zé de Julião estava morto. Foi para o outro mundo além, o além que nunca
mais retornaria aos convívios de Poço Redondo, deixando as festas, as cachaças,
as amadas mulheres, os amados filhos, deixando no mato de sua espinhosa
caminhada através dos tempos, a terrível luta que por toda sua vida enfrentou
contra os projetos do destino. De nada valeu e nem de nada aproveitou. Sempre
havia imaginado de um dia tentar apagar a sua nódoa de cangaceiro, mas isso era
impossível. Quem já havia sido, continuaria sendo. Que mal fez em um dia entrar
naquele mundo de morte e desgraças a toda hora, só pelo prazer de satisfazer
vontade de Lampião.
Como Zé de Julião, apesar de ser
um perigoso cangaceiro, lá em Poço Redondo, ele havia feito muitos benefícios
em prol dos moradores. E ele não esperava que um dia a sociedade o perdoasse.
Diz Alcindo que a odisseia de Zé de Julião jamais poderá ser esquecida e
servirá de exemplo para todos aqueles que se aventure pelos caminhos perigosos.
Zé de Julião pagou com a vida e
foi arrasado neste grande mundo, que para ele era apenas um pequeno fragmento
de poesias, quando queria abraçar o imenso mundão, como se tudo fosse dele.
Depois de tantos sofrimentos, lutas ferozes, batalhas destruidoras, correrias
nas caatingas, livrando-se dos policiais do governo, e de ter sido cangaceiro e
considerado um fora da lei, recebeu como presente uma bala no corpo, começando
pelo peito e saindo nas costas sofridas do sol e da poeira.
Confirma Alcino, que hoje
o nome apenas existe, mas é totalmente esquecido e abandonado. A poeira dos
desenganos fê-lo de um homem qualquer, sem nenhuma influência aos que vivem, e
do tempo a tudo apagou e condenou ao esquecimento o homem que com coragem e
obstinação enfrentou a poderosa e invencível força do destino, sabendo-se de
antemão, ser a parte fraca que inevitavelmente sairia perdendo.
Hoje já não se conhece o Zé de
Julião, apenas uma vaga lembrança passa pelos mais velhos que ainda restam, e
que o dia 19 de fevereiro é uma data como qualquer outra.
Conta Alcino que Zé de Julião está num escondido e canto
triste e solitário do pequeno cemitério da cidade de Poço Redondo. Foi enterrado numa humilde cova que talvez já
nem exista mais, lá os seus restos mortais do bravo e injustiçado Zé de Julião.
Seus patrícios já nem visitam a sua cova, já não se lembram do amigo e irmão
que sempre sobre ser leal e sincero para com todos. O passar dos anos apagou a
imagem sincera e honesta do grande filho de Poço Redondo. Nos dias em que se
completam anos de sua morte, o velho sino da igreja já não retine os seus
pesarosos e saudosos ecos.
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